pages of a diary

"Portrait against the tree", Mariana Castro    +    "The jungle laws of gravity", Sílvio Santana


"Beginnings" 

Todas as respostas fotogénicas à vida reconduzem-me ao princípio, aquele do qual não me recordo, não mais do que às memórias elas próprias aceitando a sua transmutação constante. Confesso que permito e retiro algum prazer dessa alteração e portanto não tenciono detê-la.
Seria mais sério sabê-lo e saber dizê-lo como muitos o escreveram, mas esse lirismo acabaria por soar falso e a recusa do princípio é, de uma forma muito própria, aquilo que nos põe a agir para diante. Uma espécie de felicidade da ignorância, também ela falsa, já que teima em regressar ao ponto primeiro para rectificá-lo depois de muitas permissões, mas em vão, acaba por deliciar-se na permeabilidade que ainda lhes tem. Não há, por isso, qualquer felicidade nisto que sinto e o princípio parece-me tão inconveniente quanto Cioran nos faz crer que é. É, também por isso, que volto a ele, e volto para ele todos os instantes que não vejo porque assim o quis. No fundo, fotografar é não ver, não querer ver, porque algo se detém  entre o que se vê e o olho e a cabeça e o homem. 








(M. for the life series, 2012)


il n'y a que des arrêts imaginaires








«Le mouvement consiste visiblement à passer d'un point à un autre, et par suite à traverser de l'espace. Or l'espace traversé est divisible à l'infini, et comme le mouvement s'applique, pour ainsi dire, le long de la ligne qu'il parcourt, il paraît solidaire de cette ligne et divisible comme elle. Ne l'a-t-il pas dessinée lui-même? N'en a-t-il pas traversé, tour à tour, les points successifs et juxtaposés? Oui sans doute, mais ces points n'ont de réalité que dans une ligne tracée, c'est-à-dire immobile; et par cela seul que vous vous représentez le mouvement, tour à tour, en ces différents points, vous l'y arrêtez nécessairement; vos positions successives ne sont, au fond, que des arrêts imaginaires. Vous substituez la trajectoire au trajet, et parce que le trajet est sous-tendu par la trajectoire, vous croyez qu'il coïncide avec elle. Mais comment un progrès coïnciderait-il avec une chose, un mouvement avec une immobilité?»


Henri Bergson, 'Matière et memoire'






(I am multiple - self portraits in the dusk #2)

«Watt era também muito naturalmente da mesma cor escura. Esta cor escura era tão escura que não podia ser identificada com certeza. Por vezes parecia uma escura ausência de cor, uma mistura escura de todas as cores, um branco escuro. Mas Watt não gostava das palavras branco escuro, por isso continuava a chamar à sua escuridão uma cor escura, pura e simplesmente, o que estritamente falando não era, ao ver-se que a cor era tão escura que desafiava toda e qualquer identificação.»

Samuel Beckett, 'Watt'






«Se tocares (puseres as mãos) no vestígio, algo, afastado dali, se sentirá tocado, interrompido no seu percurso, agarrado. Ou ao contrário? Se agarrares o vestígio, aquilo que lhe deu origem aumentará, algures, a sua velocidade?
O relevante, o pressentimento: interferir nos vestígios é interferir na coisa que lhes deu origem.»  

Gonçalo M. Tavares, 'Breves Notas sobre as Ligações'
«A nossa vida é esse ataque vindo de fora, por mãos ocasionais, e que, descobrindo-nos que não somos "nós próprios" (com tudo o que, à nossa volta, nos dá essa segurança unitária), nos obriga a reconhecermo-nos "nós outros", "nós múltiplos", conforme as ocasiões e conforme as circunstâncias.»

(I am multiple - self portraits in the dusk #1)


«A nossa realidade é feita da existência virtual que todos temos nos outros e em nós próprios, e só dela. Isso, que me fez estremecer de pânico, deu-me imediatamente uma consciência de liberdade pavorosa: a liberdade humana era exactamente essa virtualidade hipotética que, nos outros e em nós, nos resguarda de sermos. ... E a liberdade era isso, sim, era isso: um corpo absoluto que se tornava, mais que humano, uma coisa mais que coisa; ou a virtualidade total de não sermos senão aquilo que, na virtualidade dos outros, nos dava a realidade de uma irrealidade absoluta também.»

Jorge de Sena, 'Sinais de Fogo'
(I am multiple - self portraits in the dusk #3)

O que se nos oferece com a luz das estrelas, 
o que se nos oferece,
guarda-o como mundo na tua face,
não o tomes de leve.

Mostra à Noite que recebeste calmo
o que ela trouxe.
Só quando de todo para ela passes
a Noite te conhece.

Rainer Maria Rilke
'women alone in the dark' (series)
























«Acendo a luz num quarto escuro; é um facto que o quarto iluminado já não é o quarto escuro, que perdi para sempre. E no entanto: não será ainda o mesmo quarto? Não será o quarto escuro o único conteúdo do quarto iluminado? Aquilo que não posso ter, aquilo que, ao mesmo tempo, recua até ao infinito e me empurra para diante, não é mais que uma representação da linguagem, o escuro que pressupõe a luz; mas se renuncio a captar esse pressuposto, se volto a atenção para a própria luz, se a recebo ⎯ então aquilo que a luz me dá é o mesmo quarto, o escuro não hipotético. O único conteúdo da revelação é aquilo que é fechado em si, o que é velado  a luz é apenas a chegada do escuro a si próprio.»



Giorgio Agamben, "Ideia da luz", in 'Ideia da Prosa' (Tradução: João Barrento; Cotovia, Lisboa, 1999)

lux aetherna

this photo was left out of the series Lux Aetherna (2012) - visit www.marianacastro.tk to view it



A prisão do tempo é aquela onde a luz se esquiva, onde está de passagem. E talvez seja só uma certeza poética (e também a de que ele não exista  não existe no relógio que apanhámos hoje no caminho para casa), que não compreende verdadeiramente o sistema de grandezas. 



Words: Equivalent

Ansel Adams Master Photographers
, BBC series (1983)

QYou're very concerned with mood, obviously...
Ansel Adams: Well, that's part of the visualization, the aesthetics. Aesthetic in emotional statement. I think it might be helpful to you to quote that Stieglitz statement, when someone asked him:
"Stieglitz, we don't understand this talk about creative photography and creativity, with a mechanical medium. How do you make a creative photograph?" ― And he replied that he was interested to "go out in the world with his camera, he'd become across something that excited him emotionally, spiritually and aesthetically" ― forget all those words, they don't mean much, they're just symbols of something much deeper - "and I see the picture in my mind's eye. I make the photograph and I give you the print as the equivalent of what I saw and felt." ― And that word equivalent is really profound because it is the equivalent of two things: what he saw and what he felt about it.




Pas du Langage


«Tout est impliqué, tout est compliqué, tout est signe, sens, essence. Tout existe dans ces zones obscures où nous pénétrons comme dans des cryptes, pour y déchiffrer des hiéroglyphes et des langages secrets.
«Il n'existe pas des choses ni d'esprits, il n'y a que des corps: corps astraux, corps végétaux… La biologie aurait raison, si elle savait que les corps en eux-mêmes sont déjà langage. Les linguistes auraient raison s'ils savent que le langage est toujours celui des corps. Tout symptôme est une parole, mais d'abord toutes les paroles sont des symptômes.»


Gilles Deleuze, 'Proust et les Signes'



check 'Pas du Langage' photographic series at www.marianacastro.tk

Dealing with still lifes

film strip of a new serie (with M., 2012) 


Se me doo às imagens elas correm por mim, inundam-me os pulmões e rasgam-me a pele de dentro a que chamam tecido. Primeiro o tecido do ar, depois o tecido do sangue, por fim o da palavra. E eu desembrulho-me sem direcção, sem a fala que me dá o rosto, o meu, em todos os destinos, um rosto sem rosto ou hierarquia, indivisível no corpo sem voz. 
Se procuro a voz, emudeço. Gelo e não respiro, sou olhar.





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Quel est le but de l'art?

Parece que os lunáticos, os que sonham, estão sempre mais acordados do que os outros.


Film Socialisme, JLG

de sombra e pedra





A imagem é dele, mas a minha nele, por mim retalhada como, aliás, tenho o cuidado de fazer sempre.
«O que me seduz é esta figura extra-humana que se entranhou em mim, numa hora excepcional, para aplaudir ou reprovar as minhas acções e os meus pensamentos; sobretudo os meus pensamentos, porque as acções pouco valem. Não pecar por obras é fácil. Não custa deixar de roubar ou de matar. Quem não é ladrão e assassino em pensamento? A alma comete crimes que o corpo não se atreve a praticar. A alma é a sombra que o corpo emite para dentro. Quer escondê-la. A sombra que projectamos sobre a terra é uma vaga figuração ilusória e inofensiva: a imagem dum tigre num espelho.»


 Teixeira de Pascoaes, 'O Bailado'